terça-feira, 10 de abril de 2012

Enredos possíveis

Um dia, lendo "O castelo dos destinos cruzados", de Italo Calvino, fiquei  impressionada com o jogo que ele propunha ao leitor: múltiplas histórias que se desenvolviam a partir de cartas de tarô. Imagine pessoas que entram numa taberna e por algum motivo fantástico perdem a capacidade de falar, e assim, para contar aos outros suas aventuras e desventuras utilizam as intrigantes figuras do tarô. Ao serem dispostas de maneira sequencial,  numa grande mesa, narram uma história. Faz muito tempo que li este livro. Inesquecível.  Os anos passaram, comecei a trabalhar com pessoas que desejam escrever e, há seis anos, tenho uma oficina de escrita. Instigar a produção de textos a partir de imagens sempre foi uma experiência surpreendente. No curso que tive o prazer de coordenar, no mês de março, no Sesc Belenzinho,  foram pinturas de grandes artistas que  despertaram os simpáticos participantes para o desenvolvimento de personagens e enredos. Imprimi as pinturas em tamanho A4 e "brincamos" que poderia ser  um grande baralho, não estávamos numa taberna, mas a grande mesa estava ali. Na primeira aula, trabalhamos apenas com uma imagem de cada vez.  E neste post, apresento a pintura de Chagall e pequenos trechos das narrativas desenvolvidas durante a aula.  Não sugeri nenhum gênero específico, mas as duas histórias,  a seguir, da Isabel e Laís, apontam para o fantástico e o maravilhoso. O próximo post terá outros trechos que estou recebendo, aos poucos, dos participantes da oficina do Sesc.

Portrait de Vava, 1966. Marc Chagall

Trechos de "O Segredo da Estrangeira", de Maria Isabel Porazza Mendes.

"(...)   Havia algo de especial em seu rosto: tranquilo, terno, ligeiramente colorido. Muitos buscavam conselhos quando iam à sua casa, mas na verdade, o que queriam mesmo era vê-la falar. Greenalda não era deste país. Usava palavras diferentes, engraçadas aos ouvidos dos moradores daquele vilarejo. Seu vestuário, no entanto era admirado por todos: elegante, sofisticado, mas também inadequado, pois o calor que fazia por aquelas bandas não comportava a gola de pele de carneiro que ela trazia sempre em torno de seu pescoço.(...)"

"(...) Greenalda chorava e não compreendia nada. Tentava refazer o diálogo que teve com a sra. Thompson naquela tarde e pegava o chapéu, colocava-o sobre a mesa para observá-lo, girava para todos os lados buscando um defeito, uma costura mal feita, um detalhe que pudesse justificar todo aquele pesadelo em que se transformou seu trabalho. As encomendas iam se rarefazendo e ela manuseava o chapéu incessantemente. Olhava-o de longe, de perto, sobre a mesa, no chão, colocava-o no manequin, refazia as medidas, olhava as fitas de gorgurão que utilizou para arrematar a aba e... nada. O chapéu não tinha nada de errado. Até que um dia, já desanimada e sem saber o que fazer, pois os trabalhos estavam minguando a passos largos, Greenalda colocou a chapéu em sua própria cabeça. Não gostava de experimentar os chapéus de suas clientes, mas este já havia sido recusado, estava ali, devolvido de forma tão incompreensível, e ela pensou em vesti-lo como uma última tentativa de encontrar o motivo de todos aqueles fatos.
Ao fazer isso, Greenalda teve a nítida sensação de estar voando. Sua cabeça girou para um lado e para outro como um pião de moleque e sem mais nenhum sentido de direção, caiu no assoalho duro, ficando por alguns instantes nessa posição. Com o chapéu ainda em sua cabeça, e um pouco menos tonta, a chapeleira conseguiu enxergar cenas que corriam como um rolo de filme acelerado no aparelho de exibição. Eram pessoas, lugares diferentes, alguns conhecidos, cenas que pareciam visões. Assustada com isso, Greenalda arrancou o chapéu de sua cabeça e aí pode compreender o que provocou tamanho pavor na sra. Thompson. (...)"








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